Ar puro (XCIV)
John Baldessari, What Is Painting, 1968
Joseph Kosuth, One and Three Chairs, 1965
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John Baldessari, What Is Painting, 1968
Joseph Kosuth, One and Three Chairs, 1965
Portas vai falar com 'patrões' da troika
Dirão que a decisão dos juízes do TC não excluiu a possibilidade de despedimentos na função pública, pelo contrário. Só não aceitam que se siga o caminho que o Governo escolheu. Ora, é possível levantar tantas condições para que se possa despedir que na prática está-se a impossibilitar o despedimento, ainda que se diga o contrário. E nestas coisas das decisões do TC o que me interessa são os resultados práticos das decisões anunciadas que os meandros da retórica argumentativa da malta do direito é coisa para me interessar muito pouco.
Não é preciso concordar com as políticas de outros para tentar compreendê-las. Fiquem só pelo texto destacado deste artigo de Fernando Sobral. No texto é atribuído ao «pequeno núcleo pensante do executivo» o objectivo de chegar àquilo a que autor julga que chegaremos com a política que está a ser trilhada. Fernando Sobral não só tem direito à sua opinião sobre os resultados a que chegaremos com a actual política como pode muito bem estar certo. Mas equivoca-se ao pretender assumir que os outros partem dos mesmos pressupostos que são os seus, não me parecendo difícil perceber que o que o «pequeno núcleo pensante do executivo» (e da troika) tem em mente é algo deste género (hoje vai com boneco):
(a vermelho, esboço do impacto esperado das medidas de flexibilização do mercado de trabalho face à sua ausência, a azul)
Isto parece a maior treta que viram na vossa vida? Acredito. Mas é nisto que um «pequeno núcleo pensante do executivo» acredita. E isto é tão claro se se perceber as teorias económicas que estão por trás do que está a ser feito que não precisam de lhes inventar outros objectivos e intenções.
Parlamento britânico rejeita intervenção na Síria. Pode ser que isto entale igualmente o prémio Nobel da Paz e lá o obrigue a acalmar os falcões da guerra.
Um jornalista do Negócios, jornal que já elogiei por aqui e que vai fazendo por merecer todos os elogios, chegou à conclusão que 27% dos trabalhadores de determinada amostra viram o seu salário reduzido. A SIC, numa capacidade interpretativa digna da melhor escola do jornalismo nacional, achou por bem dizer à hora de almoço que os salários no privado caíram 27%. Podia tratar-se de um erro jornalistico igual a tantos outros. Contudo, à hora do jantar, continua a insistir no erro. Digam lá que isto não é extraordinário.
O Estado não pode falir. O Estado não pode baixar salários. O Estado não pode despedir. O Estado é o melhor dos patrões. Palavra de Tribunal Constitucional. E sem lei da mobilidade especial e trabalhando para um patrão assim, bem pode o Governo avançar para um plano de rescisões amigáveis que o número de aderentes será residual. Além disso, a avaliar pela bitola dos actuais juízes, suspeito que o que o Governo pretende fazer no campo das pensões de reforma também será inconstitucional, pelo que sobra a mesma solução de sempre: recorrer ao contribuinte. Como o contribuinte não paga tudo, porque já não consegue, e não se podendo cortar significativamente nas despesas com pessoal e prestações sociais, vamos ter o Estado a cortar noutras despesas que não essas, comprometendo evidentemente a qualidade dos serviços que presta. Bem, mas como há quem ache que este tipo de decisões ajuda a explicar os dados económicos positivos que apareceram no segundo trimestre, confesso-me expectante, 2014 há-de ser um ano fantástico. Mas, pelo sim, pelo não, deixem-me ir comprar um bom livro sobre a história política e financeira da cidade de Detroit. Deve dar uma boa leitura.
Não há debate que provoque mais asneiras e demonstração de ignorância do que o do mercado de trabalho e da flexibilização salarial. Nos últimos trinta minutos li uma dúzia de textos, vindos das mais variadas pessoas; das mais variadas tendências; dos mais variados sectores; sobre o tema que conseguiram a proeza, todos, sem excepção, de provocar em mim irritação pelo seu conteúdo de tiro ao lado. Não sei se o tema é difícil de perceber ou se há quem não o queira perceber, mas sei que assim é difícil chegarmos a algum lado. Vou ficar-me por um, de uma pessoa habitualmente sensata e ponderada, a Helena Garrido, que escreve a certa altura: «um economista de mente aberta, colocado perante a observação de redução dos salários por efeito das forças do mercado, ficaria, não se pode dizer satisfeito, mas animado pela flexibilidade da economia. Um país que se adapta é capaz de ultrapassar as suas dificuldades mais rapidamente», absolutamente de acordo, mas, cara Helena, ou bem que há significativa flexibilidade salarial e, «usando a ferramenta mais popular entre economistas», os salários já foram parar ao ponto de equilíbrio de mercado; ou bem que não há e o grau de queda dos salários está longe de ter ajustado ao valor de equilíbrio do mercado. Sei que sou insistente, mas a esse respeito torno a lembrar isto: O Nobel da Economia defende que os salários dos países periféricos da Europa, tais como Portugal e Espanha, precisam de baixar entre 20% a 30% face aos da Alemanha. Isso, já aconteceu? Essa é que é a resposta que devíamos procurar. É que como o FMI não pode pôr-nos a aumentar a inflação, nem pode impor aumentos salariais aos alemães, resta-lhe pedir que flexibilizemos o nosso mercado de trabalho na expectativa de que os nossos salários baixem (ainda mais).
Acreditar que o Governo, sabendo existir diminuição salarial no sector privado, andaria a fornecer propositadamente dados viciados ao FMI para este chegar a outra conclusão que não essa é como achar que se o Governo soubesse que o défice e a dívida estavam a baixar teria interesse em fornecer dados viciados ao FMI para esconder tal situação. A lógica aparente que justificaria isto seria a tentativa do Governo esconder o sucesso das suas políticas, que são também as da troika, para as mesmas serem reforçadas por imposição exterior. É uma espécie de «bom aluno» que finge ser «mau aluno» porque tem tanto prazer em ter aulas que quer ter acesso às aulas extraordinárias dedicadas aos piores alunos. É o aluno masoquista. Enfim, a partir disto, o que sobra das tontarias que leio e ouço é a ideia, pelos vistos enraizada em muito boa gente o que os leva a acreditarem nas coisas mais estapafúrdias, de que os actuais governantes querem fazer mal ao país pelo simples prazer de fazer mal ao país. Assumamos que os dados fornecidos à troika não eram os ideais e a responsabilidade disso tinha sido do Governo: não era mais lógico concluir que estaríamos somente perante um acto da mais pura incompetência?
A situação grega é presença constante na campanha eleitoral alemã. A CDU de Merkel lá saberá porquê.
Nota: pela importância que muitos admitem que o resultado das eleições alemãs poderá ter nas nossas vidas, não deixa de ser curioso o pouco destaque dado pela imprensa nacional à campanha alemã.