Regresso aos mercados
É possível – provável, parece-me – que a crise política tenha afectado as taxas com que nos conseguimos financiar nos mercados. Mas tem de haver aqui mais qualquer coisa, não será? Se calhar é completamente óbvio, mas eu sou verdadeiramente ignorante sobre estes temas e não estou a ver. Sim, claro que há mais qualquer coisa. As variações dos juros dos países periféricos - entre outros - não se devem só a questões internas de cada país. As políticas do BCE e da Reserva Federal Americana, por exemplo, têm forte influência na evolução dos nossos juros. Mas isso não invalida que a política interna também tenha. Se me permitem a análise simplista, nos gráficos que o Pedro Magalhães exibe no seu blogue, nota-se claramente que há em larga parte um padrão semelhante aos três países, indício claro de que há algo a influenciar os juros que não deve depender exclusivamente, nem especialmente, das políticas internas de cada um, mas nota-se igualmente, quer na magnitude das variações, quer sobretudo na recta final dos gráficos, que a situação portuguesa deixou de seguir o padrão italiano e espanhol, apresentando uma evolução muito mais desfavorável. E é nisso que está indício claro de que a política interna, com a irrevogável demissão de Portas ou as decisões do Tribunal Constitucional, desempenhará igualmente papel importante. Qual pesará mais? Depende e não estou habilitado a dar uma resposta definitiva à pergunta. São tantos os factores a influenciar a evolução das taxas que, embora muitos possam jurar a pés juntos saber qual a que terá maior relevância - ao ponto de saberem que as acções do Governo em nada explicaram o "regresso" aos mercados ocorrido em Maio e em tudo explicam o não regresso aos mercados ocorrido durante o dia de hoje -, eu não tenho essas certezas, pelo contrário, tenho mesmo muitas dúvidas. Posso, contudo, dizer algumas coisas que tenho como certas: sem a política do BCE, não teríamos regressado antecipadamente aos mercados ainda com Gaspar como ministro, como também sei que sem défices elevadíssimos e dívida a subir sem parar não teríamos saído dos mercados em 2011 (e é por ter o défice e a dívida em pior situação do que a nossa que a Grécia, nem com BCE a ajudar, regressa aos mercados). No fundo, a situação é extremamente complexa e o debate político, que tem de se apresentar com clareza para que o eleitorado o entenda, não é terreno onde estas coisas sejam discutidas de forma séria.
Continuando (e este post vai ser grande): no post de Pedro Magalhães é feita ligação a este post de Aguiar-Conraria sobre o erro muito comum «de fazer análise política com base na volatilidade diária dos Mercados». Obviamente, concordo. Dito isto, quando Pedro Magalhães questiona-se sobre a «trajectória ascendente» dos nossos juros «desde Maio» e na busca de explicações pergunta: «O Tribunal Constitucional?», ao que responde que «a decisão sobre o Orçamento foi em Abril», o que parece tirar essa decisão da equação explicativa para a subida posterior dos juros, esquece-se de um pormenor, mas já lá vou. Começo por tornar a afirmar o óbvio: a evolução de descida dos juros é comum a Portugal, Espanha e Itália até Maio; bem como é comum a tendência de subida após isso, logo, há factores externos a influenciar ambas as situações. Contudo, como pode uma decisão do TC de Abril - e houve, pelo menos, uma outra posterior com bastante relevância há não muito tempo - condicionar a evolução dos juros nos meses seguintes? Recordemos: o que fez Passos após a decisão de Abril do TC? Apareceu a garantir que outros cortes na despesa viriam substituir aquilo que se perdia com a decisão do TC. Se esses cortes viessem a ocorrer, qual a influência expectável da decisão do TC sobre os nossos juros? Certamente, muito baixa. Mas existe confiança de que esses cortes substitutos venham a ocorrer? Se juntarmos um abalozinho chamado crise política, outra decisão do TC no sentido de impedir novos cortes e, até, a tentativa de renegociar metas para o défice, acho que se percebe que essa confiança foi sendo perdida e existe um sentimento de degradação sobre a capacidade do Governo, este ou outro qualquer, assegurar a sustentabilidade da nossa dívida pública. E assim, meus caros, não há política do BCE que nos salve.
Termino regressando a algo que por aqui já sublinhei, mas que quero tornar a realçar: sei que a memória é curta, mas nós "regressamos" aos mercados antes da data prevista. Esse regresso foi, aliás, altamente noticiado e propagandeado pelo Governo, originando até um «dia negro» para o PS de Seguro que viu a sua liderança ser ameaçada. Hoje, com taxas a 7%, dificilmente poderíamos repetir o brilharete. Mas que o regresso fosse hoje, especificamente no dia de hoje, era a coisa que menos interessava. Interessava, isso sim, que existisse uma probabilidade elevada de nos pudermos voltar a financiar no mercado num futuro próximo. Em Maio, essa probabilidade era bem real. Depois da crise política e dos chumbos do TC, coisa que, aliás, Gaspar sabia que ia acontecer e por isso pôs-se a andar, não passa de uma miragem. Dito isto, ouvi muitas vezes durante o dia referências depreciativas a Gaspar, mas, no fundo, a realidade com que nos deparamos dá-lhe mais razão do que a tira e deixa muito mal visto o Paulo "Quero Outro Rumo" Portas e o Tribunal "Não Aceitamos Cortes da Despesa" Constitucional.