A obsessão
A outra ideia que acho muito curiosa é esta dos pensionistas como grupo frágil e/ou sem voz. Calimero não faria melhor. No fundo, quem argumenta neste sentido limita-se a seguir uma táctica que os funcionários públicos usam de há muito a esta parte e que os pensionistas só nunca tinham tido necessidade de usar porque ainda ninguém tinha decidido ir-lhes ao bolso. Só nos atacam a nós. Somos o alvo mais fraco. Os mesmos de sempre sobre os quais recai todas as maldades que os governantes praticam com gosto. Bullshit. Veja-se o caso paradigmático de Manuela Ferreira Leite ontem na TVI24: a pensionista refilava, mais uma vez, em plena televisão, no programa semanal de que usufrui, que os pensionistas são alvo destes ataques porque não refilam. Dito assim, a coisa parece um número dos Gato Fedorento. Um número repetido por muitos outros pensionistas a quem não falta voz na televisão. E o número só não é mais vezes repetido porque nem todos aderem ao histerismo em nome da manutenção da fatia do bolo que se habituaram a receber (recordo-me, a título de exemplo, de um Silva Lopes ou um Medina Carreira). Mas continuemos em Ferreira Leite: fingindo desorientação e perplexidade, a ex-ministra das finanças indagava o que levaria um Governo numa sociedade envelhecida - façamos de conta que «sociedade envelhecida» não nos recorda logo parte do problema - a ter esta "obsessão" em atacar os reformados que são o grupo mais numeroso e, portanto, aquele que os políticos com eleições a aproximarem-se mais deviam acarinhar (a ideia era mesmo esta: a Manelinha estranha a ausência de eleitoralismo, que, presume-se, a própria praticaria com gosto). Teria razão e até, no seguimento disto, compreende-se o choque que alguns pensionistas sentem: dado o seu número e importância eleitoral, achavam-se intocáveis. Esquece-se de um pequeno pormenor (às vezes não é esquecimento, há um intuito claro em misturar tudo no mesmo grupo): os pensionistas mais frágeis e que recebem verdadeiramente pensões baixas, ou seja, a esmagadora maioria dos pensionistas, têm-se mantido à margem dos cortes. Claro que isto, na cabecinha da Manelinha, onde cortar pensões; subir o IVA; passear pela rua; ou atirar-se de um prédio de dez andares, é tudo a mesma coisa, não passará de mero pormenor.