A entrevista
A entrevista completa pode ser vista aqui. Mas o que verdadeiramente me interessa (a novidade) está no vídeo: as perguntas e as citações. Inquirição e confrontação permanente, relativamente bem preparada, sem hesitação. Não tremia quando Sócrates - que, confesse-se, foi apanhado que nem um patinho -, fazendo uso do seu truque habitual, tentava tornar o entrevistador no entrevistado. Rodrigues dos Santos também teve os seus momentos maus: equivocou-se na questão do consenso e do IRC, onde as explicações de Sócrates foram óbvias e aceitáveis. Mas, no essencial, há muito que o ex-PM transformado em opinador merecia ser entrevistado desta maneira. Um formato que devia ser usado igualmente para ex-ministros das finanças e demais ex-governante que ocupam os espaços de comentário político sem que alguma vez sejam confrontados com o seu passado. E o passado de Sócrates é tão merecedor de ser relembrado (até ao próprio, que fala tanto em crescimento, mas já não se lembrava que tinha deixado o país em recessão): às tantas, o ex-PM - um génio que garantiria austeridade (a que visivelmente prefere chamar de «rigor orçamental»), com aposta no investimento e sem tocar nos salários e nas pensões, excepto naquilo em que efectivamente tocou (coisa de que não gosta de ser recordado) - fazia referência aos programas a que se dedicou enquanto governante e que, dizia ele, este governo não tinha nem um para apresentar: entre os programas de que o homem tanto se orgulha meteu as eólicas. Diga-se que nesta fase, Rodrigues dos Santos, pecou: devia ter-lhe imediatamente atirado à cara as rendas excessivas no sector eléctrico. Não o tendo feito, permitiu ao animal feroz acrescentar ainda em forma de lamento que é tão difícil construir, mas tão fácil destruir. Pelo contrário, o problema principal é outro, tal como as rendas excessivas no sector eléctrico comprovam-no: fácil foi gerá-las, difícil é acabar com elas. Tal como é difícil acabar com um défice de 9,9% (2010) que ele deixou como legado a quem lhe sucedeu ou com a manifesta tendência de subida do desemprego que ele, apesar da promessa dos 150 mil empregos, não conteve [2005: 7,6%; 2010: 10,8%; 2011 (com quebra de série): 12,8%]. Mas voltando aos programas governamentais em que apostou, acrescente-se que o homem esqueceu, muito convenientemente, as auto-estradas feitas em regime PPP - foi assim, é sempre bom lembrar, que, em parte, ele garantiu investimento público nos primeiros anos da sua governação: com PPPs (correram bem, não correram?); ou os sonhos - era o programa que se seguia e de que ele certamente muito se orgulharia - com a OTA e o TGV que, felizmente, nunca passaram disso mesmo, sonhos. Enfim, nunca se percebeu muito bem de onde o sujeito achava que viria o dinheiro, mas parece estar convencido de que o dinheiro havia de vir de algum lado e não pararia de jorrar. Mas, não, não pode estar: o que estamos aqui confrontados é com pura treta útil à narrativa do personagem: com Sócrates e os socráticos a substância conta pouco, o que verdadeiramente conta é a convicção com que se afirma o que quer que seja, é por isso que o homem que diz uma coisa ontem e o seu contrário hoje é sempre brilhante, dê lá por onde der. Confesso, tento sempre não voltar a Sócrates, mas é mais forte do que eu.