A tradição
Porquê que a tradição importa na altura de escolher quem deve formar governo? Por questão de previsibilidade. É evidente que boa parte do eleitorado não imaginava que os resultados eleitorais que ocorreram pudessem originar um governo de esquerda que resultasse de entendimento entre PS, BE e PCP. Podem dar a volta que quiserem ao tópico que esta minha observação é inegável. Nós não somos nórdicos, nem a tradição de compromisso dos nossos partidos é igual à dos partidos nórdicos. Alguma evolução nessa matéria é bem-vinda, mas a ruptura completa com a tradição é outra coisa completamente distinta (e que devia, pelo menos, ter sido muito bem sinalizada antes das eleições e não no dia após as mesmas). Sabendo isto, alguns, incluindo com graça o camarada Porfírio, apontam para uma notícia do Expresso que sugeria isso mesmo, mas essa mesma capa não resultou de declarações de António Costa e este foi frequentemente questionado directamente sobre se tentaria formar um governo com as forças à sua esquerda e chutou sempre para canto. Muito eleitor socialista tem vindo a dar conta disso mesmo, sentindo-se enganado. Aliás, tenho como certo que se fizerem uma sondagem onde perguntem aos portugueses se «perante os resultados eleitorais verificados, prefere um governo que resulte de um qualquer entendimento entre o PSD+CDS+PS ou um outro entre PS+PCP+BE?», a preferência tenderia a cair para o governo liderado para a opção de governo que incluísse a força que ganhou as eleições (da minha parte, continuo à espera de uma sondagem do género). Note-se que basta cerca de 1/3 dos eleitores do PS preferirem a solução favorável ao governo PSD/CDS do que à do governo PS com apoio do BE/PCP para a primeira solução ficar com maioria absoluta no seguimento dos resultados eleitorais de 4 de Outubro. O PS não pode deixar de saber isto e é por isso que se levar a ideia do «governo de esquerda» adiante entra logo com o pé esquerdo e tem tudo para correr mal. Muito mal. A sua legitimidade será sempre questionada; não gozará de estado de graça; a conciliação do programa do PS com as propostas do BE e do PCP, que terão de ser enquadradas no Tratado Orçamental, provocarão enorme desgaste; e a coligação PSD/CDS que era suposto ir para o governo, ficando dependente da boa vontade do PS, a fritar em «lume brando», para usar a expressão de Alberto João Jardim, ficará de fora a assistir e a combater esse governo vermelho com enorme gozo. Sabendo que, com elevada probabilidade, não demoraria muito tempo a voltar ao poder com maioria absoluta renovada. Ou como Catarina "Pirro" Martins, com evidente excitação, declarou ontem: «O governo de Passos e Portas acabou hoje». Para voltar mais forte amanhã?