Mexilhão é o novo dono disto tudo?
Nem hoje, nem nunca. Ainda no outro dia o Nicolaço, no Expresso, falava do ex-primeiro-ministro Sócrates como um homem cujo governo que liderou «enfrentou muitos interesses». Se é possível dizer isso a propósito da governação socrática - para mim, isso é basicamente um mito: é verdade que enfrentou alguns interesses, mas os mais poderosos não só ficaram por enfrentar, como foram protegidos -, então da governação deste executivo, em tempo de troika e sobretudo nesse tempo, o que se poderia dizer? É mesmo vergonhoso dizer que Sócrates enfrentou muitos interesses quando o período da troika foi, em boa parte, uma batalha para eliminar os interesses protegidos que foram a nossa desgraça. Também por isso, quando Passos Coelho faz uma referência aos Donos Disto Tudo que estão a desaparecer tem parcialmente razão. É óbvio que sim. E ainda que andem por ai outros ansiosos por ver alguém ocupar o lugar dos DDT que caíram, dada a natureza da nova ordem económica que vigora em Portugal, com muitas empresas dominadas por capital estrangeiro, dificilmente voltaremos ao que tínhamos. O futuro pode não ser melhor, mas igual nunca será certamente. Já quando, presumo que associado à mesma ideia, diz que «quem se lixou não foi o mexilhão [...] desta vez todos contribuíram e contribuiu mais quem tinha mais, disso não há dívida», lamento, mas esta afirmação é puro bullshit. As maiores vítimas desta crise foram os desempregados. No fundo, "contribuiu" mais quem não podia contribuir de todo e deixou de ter quem pudesse contribuir para aliviar a situação deles. Que o actual PM ache por bem fazer propaganda política com estas declarações do mexilhão - quiçá tentando que seja a classe média a se identificar com o termo -, demonstra bem o quanto o mexilhão, o verdadeiro mexilhão, continua a ser desprezado em Portugal. E é fácil perceber porquê: não são eles que decidem eleições.