O eleitorado que decida o que o partido mostra-se incapaz de decidir
António Barreto anda equivocado. O PSD não foi o partido mais votado e é impossível dizer se sozinho teria mais votos do que o PS. A PàF foi a força mais votada. É verdade que o PSD tem o maior grupo parlamentar, mas também só o tem porque concorreu coligado com o CDS às eleições. No dia em que Passos Coelho e Paulo Portas decidiram coligar os seus partidos e concorrer como PàF, mataram qualquer hipótese de coligação que só incluísse um dos partidos da PàF em caso de vitória eleitoral, como veio a acontecer (os dois partidos seguirem caminhos diferentes depois de terem ganho as eleições seria um desrespeito enorme por quem votou neles). Mas como tenho visto o argumento repetido, ainda não percebi: um governo de bloco central não pode ser constituído por PàF mais PS por que motivo? Porquê que com o PSD era viável e com o PSD/CDS não o é? Na única sondagem que conheço sobre o tema, dados os resultados eleitorais, até seria a solução preferida dos portugueses. Mais: não julgo que essa solução tenha sido vedada pela PàF: «a disponibilidade vai ao ponto de admitir a entrada de António Costa ou outros nomes do PS num futuro Governo». Passos, aliás, volta a mostrar que a porta está aberta quando escreve agora em resposta a Costa que «se o PS prefere discutir estas matérias enquanto futuro membro de uma coligação de Governo mais alargada, então que o diga também com clareza». Qualquer pessoa que preste atenção à forma como decorreram as negociações entre PàF e PS fica com uma ideia clara sobre quem é que não quer discutir o que quer que seja nesses termos (nem, aparentemente, em quaisquer outros): o partido liderado pelo homem que disse em campanha, de forma bastante irresponsável, que chumbaria o orçamento da PàF. Que o PS não queira participar num governo de coligação com o PSD/CDS, ainda compreendo - a própria PàF, ainda que não feche essa porta, talvez também não tenha muito interesse nisso -, mas que o PS não aceite discutir de forma séria a viabilização do governo formado pelo vencedor das eleições parece-me muito mais difícil de compreender. Ainda que compreenda que ter o centro-direita a comportar-se como um bloco único levante enormes problemas ao PS, porque a esquerda está e vai continuar dividida (é ver as presidenciais: ai vem outra candidatura da área da esquerda), divisão que se repercute no próprio PS. Não se pode pedir é ao centro-direita que se divida só para resolver o imbróglio à esquerda onde, verdadeiramente, não existe um bloco, mas dois: o de centro-esquerda e o da extrema-esquerda. Sendo a realidade a que é, agora convinha que o PS, perante a preferência manifestada pelos eleitores, anunciasse de vez e sem rodeios quem julga estar em melhores condições de participar e garantir uma solução governativa estável e responsável para o país (Costa não contava ter uma posição consolidada sobre a matéria até ao final desta semana?). Se optar por um caminho que implique a ideia de que a preferência revelada pelos eleitores coloca o país numa situação ingovernável e traduz-se em instabilidade, nas próximas legislativas é pedir ao eleitorado do PS que decida e resolva pelo partido aquilo que ele mostra-se incapaz de decidir e de resolver por si: quem prefere o país governado pelo bloco de centro-direita, vota no centro-direita; quem prefere o país governado pela extrema-esquerda, vota na extrema-esquerda. Até ver, não há motivo para ser o eleitorado dos outros blocos a deslocar-se para o PS. Sendo certo que o PS teme que a partir do momento em que tome uma posição parte do seu eleitorado faça mesmo um desses percursos (fuga de votos para o bloco preterido). Não está fácil a vida para os socialistas.