O irmão metralha
Quando o caso BES já estava bem quente e Salgado praticamente queimado, Mário Soares alegou que «nós fizemos tudo e estamos a fazer tudo para arrasar o nosso próprio país e isso é inaceitável, de maneira nenhuma aceitável», acrescentando que teve «sempre o culto da amizade. E [teve] sempre o culto da amizade por muita gente.». Na altura, suspeitei que o ex-presidente tinha, entre outras coisas, Ricardo Salgado - e o que sucedia ao BES - na cabeça. Julgo que não me equivoquei. Até porque agora, em declarações à RTP, disse ainda que «Quando ele [Ricardo Salgado] falar, e vai falar, as coisas vão ficar de outra maneira. Ao princípio era tudo banditismo, mas agora os portugueses já perceberam que não é assim». Proença de Carvalho tem aqui um belo adjunto e se o branqueamento das actividades fraudulentas do amigo Salgado, ainda que a imprensa internacional tenha dado grande destaque ao caso (exibindo-o como um irmão metralha), é para levar em frente no âmbito nacional, o amigo Soares dá um bom tiro de partida. Acrescente-se que na mesma reportagem exibida hoje na estação pública, Mário Soares contou com brevidade a história de como o BES, aquando da privatização, regressou à família Espírito Santo por sua intervenção directa: em conversa onde Soares solicitava a Salgado para assumir o controlo do banco, este respondeu-lhe que não tinha dinheiro para concretizar tal operação, mas super Mário logo o tranquilizou, dizendo que dinheiro não era um problema. Bastou um telefonema a François Mitterrand, o Crédit Agricole foi metido ao barulho e, voilá, fez-se luz. E o dinheiro nunca mais foi um problema. Até agora. Quando tantos falam na promiscuidade entre poder político e económico como algo de muito negativo, achei esta uma bela história. É, aliás, exemplar de um certo modus operandis enraizado na sociedade portuguesa. Assim geraram-se os grupos de amigos influentes que deviam favores uns aos outros e garantia-se a preservação do status quo [Cavaco - Dias Loureiro - Oliveira e Costa: a mesma história precisamente]. Nunca houve um só «dono disto tudo», existem é os que se julgam e, em parte, têm sido «donos disto tudo». É um grupo, não é uma individualidade. E Soares faz parte desse grupo. De resto, bem diz Seguro que quem apoia Costa tem mais queda para a promiscuidade.