Óscares
Bem, mais de um mês e meio depois, deixem-me lá escrever aqui qualquer coisinha para mostrar sinais de vida. Os óscares é um bom pretexto: vi três dos nove nomeados na categoria principal: The Wolf of Wall Street; Gravity; e Her. Tirando o último, os outros dois parece-me que rapidamente vão cair no esquecimento (Scorsese já fez muito melhor; e 2001: Space Odissey, porque houve quem se atrevesse a compará-los, é incomparavelmente melhor que Gravity). O filme de Spike Jonze, sobre o homem que apaixona-se por um sistema operativo, provavelmente não ganhará nada: pela originalidade e actualidade, se ganhasse é que era de admirar. Dos nomeados na categoria de melhor filme estrangeiro, vi e gostei de La Grande Bellezza, do Paolo Sorrentino (de quem já tinha gostado do Le conseguenze dell'amore), - aqui arrasado pela nossa crítica -, e A Caça, do Vinterberg, de que ainda gostei mais e deve ser o filme que o Woody Allen anda a ver por estes dias.
Mas não era propriamente sobre os óscares que vos queria falar. Durante este período de ausência da blogosfera, sobrou-me tempo para outras coisas, e ver filmes foi mesmo uma delas. E o que vi, se vi tão poucos dos filmes de que toda a gente fala neste momento? Vi, pela primeira vez e só para nomear alguns, o Charade com o Cary Grant e a Audrey Hepburn, que só pelos diálogos já é muito melhor que a maior parte da porcaria que se faz nos dias de hoje; It Happened on Night; The Thin Man; His Girl Friday; Arsenic and Old Lace; The Philadelphia Story (absolutamente genial); Holiday; The Apartment (adorável); Now, Voyager; Cat on a Hot Tin Roof (extraordinário o papel dos actores); e ainda podia acrescentar mais uns quantos (triste de mim que ainda não tinha visto estes filmes; sorte a minha poder tê-los vistos a todos quase de seguida).
Além disso, vi uma série de maluquices japonesas, das quais nomeio três: Instant Swamp; Rent-a-Cat; e Love Exposure. O último é absolutamente delirante. E a loucura de algum cinema japonês configura para a minha pessoa uma das melhores forma de fuga momentânea aos problemas e stress do dia-a-dia (função do cinema tão importante quanto qualquer outra). Enfim, para descomprimir não há melhor. E nessa tentativa de descomprimir até o cinema indiano experimentei: apesar de ligeiramente tolo, é suportável, e as canções são bem capazes de ser a melhor parte.
Além disso, o cinema japonês não é só feito de maluquices, mas também de extraordinárias, subtis e tocantes histórias sobre a sociedade e a família (tenho chegado à conclusão de que os japoneses acabam por ser o melhor povo do mundo a retratar o tema). Por exemplo, e para nomear alguns que entram nessa categoria dos que vi neste último mês e meio, veja-se Tokyo Sonata; Still Walking; e Tokyo Story. O último é um daqueles casos raros que em que me emocionei de tal forma que fui levado às lágrimas.
E no cinema oriental acabei também por passar por Hong Kong: comecei com An Autumn's Tale, extraordinária história de amor entre emigrantes chineses numa Manhattan que me recordou o filme do Woody e que me deu a conhecer um Yun-Fat Chow dócil e longe dos papéis durões que o caracterizaram. Na sequência desse filme, a minha atenção foi levada para outro filme sobre emigrantes chineses, também ele uma belíssima história de amor - não tem nada de quase, apesar do estúpido título em inglês de Comrades: Almost a Love Story -, cujo título original, Tian mi mi, refere-se a uma música de Teresa Teng, artista taiwanesa muito popular na região que faleceu um ano antes da rodagem do filme com apenas 42 anos e cujas canções são peça chave no desenvolvimento da história de amor que nos é apresentada (que conta, tenho de dizê-lo, com uma Maggie Cheung deslumbrante). Às tantas, depois de ver o filme, acabei por passar algumas horas a ouvir as músicas de Teresa Teng. Na verdade, as músicas são um bocado parolas, mas se todas as cartas de amor são ridículas, aceitemos que as canções também o possam ser. E descobri no que li posteriormente sobre ela, que a artista uma vez esteve para casar, mas tal não sucedeu porque a família do noivo exigiu, entre outras coisas, que ela abandonasse a carreira artística. Vida de mulher pode ser difícil. E não sabendo se foi esse o caso, a verdade é que a parceira feminina de Yun-Fat Chow em An Autumn's Tale, Cherie Chung, acabou por abandonar a representação no auge da sua carreira, logo após o casamento. Cherie Chung que levou-me a ver o Peking Opera Blues, uma deliciosa mistura de acção, romance e comédia, made in Hong Kong, com o cunho de Tsui Hark. Provavelmente, a coisa mais divertida que vi desde o ínicio do ano.
Para terminar, vi, finalmente e ainda durante esta semana que agora acaba, O Sétimo Selo de Ingmar Bergman. Se o cinema tem uma capacidade extraordinária de nos marcar e fazer reflectir sobre a vida, este filme é uma das provas disso mesmo. Pouco depois de acabar de ver o filme, adormeci. E, não sendo eu pessoa de ter muitos sonhos, acordei nessa noite depois de um estranhíssimo sonho onde era confrontado com a minha própria morte. Um bom filme nunca acaba com o rolar dos créditos finais.
(Dito isto, acho que vou ver se me actualizo sobre os filmes dos óscares que ainda não vi. Ah, espera, tenho ali o 8 1/2 e o La Dolce Vita do Fellini a olhar para mim. Parece que os filmes dos óscares deste ano vão ter de esperar.)