Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
A situação seria sempre vergonhosa, mas por ser visível sobretudo no ministério em que o é torna tudo ainda mais vergonhoso. Recorde-se, aliás, que esse ministério já tinha dado que falar. Longe vai o tempo em que alguém disse «não iremos substituir os boys do PS pelos do PSD». Verdade, há boys do PS que foram subsitituídos por boys do CDS, uma consequência do partido centrista ter entrado definitivamente no «arco da governação». Mas noto, com curiosidade, que nesta campanha eleitoral muito pouco se falou sobre boys. Em todos os partidos há gente séria e gente menos séria, mas a ausência de um discurso forte contra os boys significa que a malta séria desistiu de lutar contra este estado de coisas? Talvez. Sabem também que entre o eleitorado já ninguém lhes leva a sério.
Como conciliar ideia de buraco nas contas públicas com isto: Cedências da PàF ao PS custam €1309 milhões em quatro anos. Adiante: uma possível explicação para a conversa da «surpresa desagradável», sendo certo que há nuvens no horizonte (novos desafios à governação são o pão nosso de cada dia e agora qualquer novo desafio pode ser visto como facto que confirma o presságio costista): sem governo de esquerda consolidado - a capa da acção socialista do Público já fala num impasse nas negociações à esquerda -, o PS não pode impedir o governo PSD/CDS de entrar em funções, mas começa já a ensaiar o discurso para justificar o derrube desse governo e a convocação de eleições antecipadas (e, para isso, tudo servirá, toda a situação negativa que aconteça verá a sua gravidade empolada pelo partido socialista, um pouco como aconteceu com toda a informação negativa que surgiu durante a campanha eleitoral). Dito isto, na capa do DN, depois das declarações absurdas de Costa que deram força a especulação variada, Mário Centeno, em manifesto controlo de danos, aparece a dizer que «o mais importante das reuniões com a PàF é o que não foi dito». Se não se tratasse de coisa séria, isto até tinha graça. Muitas vezes, chego a dar por mim a torcer para que esta coisa do governo de esquerda ande para a frente. Como não lhe adivinho longa vida, no médio/longo-prazo seria a solução que melhor serviria o país (e a direita política).
Sobre o voto da emigração, no círculo da Europa: o PS perdeu mais de três mil votos em relação a 2011, a PàF perdeu menos de mil votos. Com tanto discurso do PS e de outros comentadores lusos nacionais sobre os emigrantes irados com a PàF, só com a PàF, não se compreende.
Imaginem que a coligação não tinha existido e PSD e CDS tinham-se apresentado sozinhos ao eleitorado. Imaginem que o resultado desse acto eleitoral teria correspondido a 40% dos deputados para a força mais votada, o PS, 36% para o PSD e 15% para o CDS. Portanto, apesar do PS ser a força mais votada, o PSD mais o CDS tinham maioria absoluta. Devia ser o PS a governar? Não, não devia. Caso PSD e CDS formassem um governo conjunto, nunca deveria ser o PS a governar. E isso, mesmo à luz da nossa tradição, seria facilmente entendido. Mas agora imaginem que só o PSD queria ir para o governo, em minoria, com uma representação parlamentar inferior à do PS, e o CDS preferia ficar como uma força independente e sem responsabilidade governativa no Parlamento, o quê que a esquerda diria desta solução? Alguém quer tentar adivinhar? Esta coisa de dizer que a esquerda venceu as eleições faz sentido se a esquerda quisesse e mostrasse ser uma força una e coesa para toda uma legislatura. Sem compromissos sérios e credíveis nesse sentido, será sempre muito difícil engolir um PS minoritário a governar. Por isso, vá lá camarada Jerónimo, indo para o Governo ou ficando fora dele, toca a garantir, perante determinados pressupostos que terão de ser aceites pelo PS, a aprovação de todos os orçamentos socialistas durante uma legislatura. Não custa nada. Ou será que custa?
Depois da primeira reunião, PSD e CDS deviam logo ter tomado a posição de hoje. Forçar a barra e abdicar do teatro. Mas quiseram mostrar que tinham vontade de negociar com quem está, manifestamente, a tentar jogar um outro jogo. E era ver hoje malta a dizer que PSD/CDS estavam dispostos a tudo para ficar no poder. Não estão, nem têm de estar. De resto, bem no ar sério e grave. Atirar muitas vezes para o ar com as palavras «responsabilidade» e «governabilidade». Lembrar quem ganhou as eleições e qual o programa que reuniu maior apoio eleitoral (um programa que tem, inegavelmente, mais pontos em comum com o do PS do que os programas do PCP e do BE). Se Costa tentar seguir um caminho irresponsável, essas palavras ser-lhe-ão relembradas no futuro. E, agora, é seguir para bingo. Marçal Grilo não entende estratégia do líder do PS? Chama-se tentar safar a própria pele, agarradinho ao poder, depois de perder as eleições de forma humilhante. Nem que para isso fique dependente de quem mais não diz do que isto: «O PS tem condições para formar Governo, apresentar programa e entrar em funções. Quanto aos desenvolvimentos futuros, eles resultarão da identificação da política que for possível fazer. Como sempre, quer esse Governo, quer os trabalhadores e o povo, em particular, poderão contar com a nossa activa participação para assegurar todas as medidas que correspondam aos direitos, interesses, rendimentos, salários dos trabalhadores, reformados. Tudo o que não corresponda, contarão com a oposição do PCP». Para bom entendedor, meia palavra basta.
Porquê que a tradição importa na altura de escolher quem deve formar governo? Por questão de previsibilidade. É evidente que boa parte do eleitorado não imaginava que os resultados eleitorais que ocorreram pudessem originar um governo de esquerda que resultasse de entendimento entre PS, BE e PCP. Podem dar a volta que quiserem ao tópico que esta minha observação é inegável. Nós não somos nórdicos, nem a tradição de compromisso dos nossos partidos é igual à dos partidos nórdicos. Alguma evolução nessa matéria é bem-vinda, mas a ruptura completa com a tradição é outra coisa completamente distinta (e que devia, pelo menos, ter sido muito bem sinalizada antes das eleições e não no dia após as mesmas). Sabendo isto, alguns, incluindo com graça o camarada Porfírio, apontam para uma notícia do Expresso que sugeria isso mesmo, mas essa mesma capa não resultou de declarações de António Costa e este foi frequentemente questionado directamente sobre se tentaria formar um governo com as forças à sua esquerda e chutou sempre para canto. Muito eleitor socialista tem vindo a dar conta disso mesmo, sentindo-se enganado. Aliás, tenho como certo que se fizerem uma sondagem onde perguntem aos portugueses se «perante os resultados eleitorais verificados, prefere um governo que resulte de um qualquer entendimento entre o PSD+CDS+PS ou um outro entre PS+PCP+BE?», a preferência tenderia a cair para o governo liderado para a opção de governo que incluísse a força que ganhou as eleições (da minha parte, continuo à espera de uma sondagem do género). Note-se que basta cerca de 1/3 dos eleitores do PS preferirem a solução favorável ao governo PSD/CDS do que à do governo PS com apoio do BE/PCP para a primeira solução ficar com maioria absoluta no seguimento dos resultados eleitorais de 4 de Outubro. O PS não pode deixar de saber isto e é por isso que se levar a ideia do «governo de esquerda» adiante entra logo com o pé esquerdo e tem tudo para correr mal. Muito mal. A sua legitimidade será sempre questionada; não gozará de estado de graça; a conciliação do programa do PS com as propostas do BE e do PCP, que terão de ser enquadradas no Tratado Orçamental, provocarão enorme desgaste; e a coligação PSD/CDS que era suposto ir para o governo, ficando dependente da boa vontade do PS, a fritar em «lume brando», para usar a expressão de Alberto João Jardim, ficará de fora a assistir e a combater esse governo vermelho com enorme gozo. Sabendo que, com elevada probabilidade, não demoraria muito tempo a voltar ao poder com maioria absoluta renovada. Ou como Catarina "Pirro" Martins, com evidente excitação, declarou ontem: «O governo de Passos e Portas acabou hoje». Para voltar mais forte amanhã?
O BE joga ao ataque e decreta o fim do governo de Passos e Portas. Aumentando as expectativas e preparando-se para enterrar Costa e o PS caso estas não sejam cumpridas. Catarina fala com a autoridade de quem já manda no PS e tem o partido de Costa na sua mão. PSD/CDS esperaram pelo fim da reunião para dar as primeiras migalhas a Costa. No PS, ensaia-se o discurso de que o PSD/CDS até já aceitam governar com o programa do PS, narrativa de recuo táctico que dará muito jeito para justificar a não formação do governo de esquerda. Afinal, é preciso referendar o governo de esquerda? Outro sinal de fuga em frente e desresponsabilização da lideranda de Costa. Isto tem tudo para acabar em beleza. Do meu ponto de vista, a posição de PSD/CDS para com este PS costista e a sua ideia de um governo dependente do BE e do PCP devia ser aquilo a que chamaria a posição Dirty Harry. Imaginem só: pelo que vem nas notícias, BE e PCP mais não aceitam do que pôr Costa a governar sozinho em minoria. Ou seja, teríamos a força menos votada nas eleições a governar, enquanto a força mais votada, inclusive o partido que ficará com o maior grupo parlamentar, ficaria na oposição. Para isto, Costa teria de ter e dar garantias explícitas a Cavaco Silva e ao povo português de que um governo destes aguentaria até ao final da legislatura e, verificando-se à posterior outra coisa que não esta, ele e o PS teriam de assumir total responsabilidade pela opção irresponsável que tomaram. Não me parece que estrategicamente, para a direita e tendo em conta os resultados eleitorais, fosse má opção levar Costa a ir a jogo desta forma. Entretanto, um pormenor delicioso sobre o que faz alguns à direita tremerem de medo: «Ou seja, confrontados com a possibilidade de chegar ao governo, muitos socialistas não quererão pôr de lado essa hipótese. “A clientela é muito grande”, aponta-se do lado da coligação onde ganha adeptos a teoria de que Costa pode não estar a fazer bluff». Ou como a clientela do PSD/CDS treme por saber que a clientela do PS pensa como eles.
Este homem, desesperado e encostado às cordas, porque depois de perder clamorosamente nas legislativas a solução que gerou nas presidenciais também está prestes a ser arrasada - recorde-se que Nóvoa também vinha para fazer a ponte entre o PS e o BE/PCP e é ver os níveis de votação que tem nas sondagens -, seria capaz de, com o PS fragilizado por uma votação baixa, atirar o país para os braços do PCP e do BE só para tentar sobreviver politicamente? Ele e a facção dos jovens turcos que o apoiam estão assim tão agarrados ao poder? Não acredito que fossem tão longe. E a direita não devia dar demasiada atenção a um tal bluff e devia mesmo agir no sentido de desmascará-lo. O que quero dizer é: o PSD e o CDS não deviam reagir no sentido de quererem dar mais ao PS do que ele merece só porque este anda a jogar um jogo perigoso, antes pelo contrário, se o líder socialista decidiu dar uma de Varoufakis, é forçar ainda mais a barra a ver onde tal jogo vai parar. Costa perdeu as eleições e é preciso lembrar-lhe isso. Costa está fragilizado e há que não lhe dar mais importância do que merece. E se não for bluff, siga para bingo, tal opção, se viabilizada pela extrema-esquerda, terá o condão de clarificar para todo o eleitorado aquilo com que pode contar deste PS. E o eleitorado moderado irá cobrar isso ao PS no curto-prazo. Costa, como solução de último recurso, pode querer ser o nosso Tsipras, mas Portugal não é a Grécia e por cá um qualquer Tsipras acabará relegado para a página da História que merece: uma página negra e triste, a recordar só para não repetir.
As movimentações teatrais à esquerda começariam a preocupar-me no dia em que tivesse de ler isto: Costa reúne-se com Jerónimo e Orçamento é prioridade absoluta. Enfim, as encenações socialistas para ganharem poder negocial nas negociações, essas sim coisa muito mais séria, do orçamento para 2016 têm graça, mas a dada altura o país será confrontado com a realidade espelhada no discurso de Cavaco Silva (que, precisamente por tocar na ferida, irritou alguma malta): o país tem compromissos internacionais assumidos e das eleições legislativas resultou um inegável alinhamento do povo português com os partidos que tradicionalmente honram esses compromissos. Tal como em 2011, onde o arco da troika (PSD, CDS e PS) ficou com larga vantagem para com o arco do radicalismo ideológico. De resto, dizer que mais de 60% do eleitorado rejeitou a política do PSD/CDS faz tanto sentido quanto dizer que quase 70% do país rejeitou o programa económico do PS ou que mais de 80% do país rejeitou o radicalismo da extrema-esquerda. Como se o voto fosse apenas e só uma «rejeição daquele em quem não se vota» e nunca uma «preferência pelo programa daquele em quem se vota». Como se todo o eleitorado socialista tivesse mais afinidade com as forças à sua esquerda do que com as forças à sua direita. Mas, também por isto, para ajudar a um maior esclarecimento sobre o assunto, gostava de ver uma sondagem que respondesse à seguinte pergunta: perante os resultados eleitorais, preferirá o povo português um governo PS/BE/PCP ou um governo PSD/CDS viabilizado pelo PS? Qual será a solução mais viável e estável? Não tenho muitas dúvidas sobre qual será a resposta a esta pergunta, mas admito que possa ser surpreendido.